domingo, 4 de julho de 2010

A NOCIVIDADE DA VALORIZAÇÃO DO ACORDO INDIVIDUAL NA JUSTIÇA DO TRABALHO

Todos nós temos conhecimento da enorme valorização do acordo individual na
Justiça do Trabalho.

Essa valorização é tamanha, que chega a configurar um traço cultural da
justiça trabalhista brasileira.

Para se ter uma idéia dos efeitos dessa valorização sobre a solução de
processos trabalhistas, basta saber que o percentual médio anual de acordos
nas Varas do Trabalho é de 50%. Ou seja, de cada 100 reclamações
trabalhistas, mais ou menos 50 terminam por acordo.

Até por isso, renomados juristas têm aclamado o acordo, a partir do
pressuposto de que seria vantajoso para os trabalhadores e empregadores, e
também para a sociedade em geral, porque contribuiria, por exemplo, com a
efetividade do processo e com a paz social.

No entanto, em que pesem os alegados efeitos positivos da valorização do
acordo, é possível vislumbrar uma série de efeitos negativos dessa
valorização para os trabalhadores, e também para a própria sociedade, entre
os quais o fato de que aqueles deixariam de receber a totalidade de seus
direitos, que o acordo terminaria por acobertar mazelas de maus
empregadores, e ainda, que o acordo contribuiria para que estes impusessem
empréstimos àqueles com juros negativos.

Para melhor compreensão do que ora sustento, peço aos companheiros que leiam abaixo o texto , no qual procuro demonstrar de forma mais aprofundada a pertinência desses efeitos.



DOS EFEITOS DA VALORIZAÇÃO DO ACORDO INDIVIDUAL NA
JUSTIÇA DO TRABALHO




É pública e notória a valorização do acordo individual na Justiça do Trabalho. Constantemente lemos notícias das vantagens que decorreriam dessa forma de solução de conflitos.

Isso, entretanto, me deixou muitíssimo preocupado, porque os efeitos da valorização do acordo individual na Justiça do Trabalho implicam uma série de conseqüências negativas para os trabalhadores, e também para a própria sociedade, senão vejamos:

1. Renúncia de direitos

O acordo está predestinado à renúncia de direitos pelo trabalhador, embora, eventualmente, também possa ocorrer com renúncia pelo reclamado.

A maior propensão do trabalhador para a renúncia, em troca de “um acordo” qualquer, é motivada normalmente por um ou mais dos seguintes fatores: desconhecimento dos direitos; necessidade do dinheiro proposto; dificuldades em reunir provas; demora numa solução judicial; medo de perder a ação; medo que a permanência do processo cause reflexos negativos em seu novo emprego; pressão do juiz; falta de confiança no juiz; insegurança de seu advogado; ambiente forense que lhe é estranho; medo do reclamado; e ficar livre de preocupações.

O reclamado é menos inclinado à renúncia, com vistas a um acordo, por ser pouco provável algum interesse que a justifique. Sua própria condição de demandado constitui um obstáculo à realização de renúncias. Na prática, a renúncia pelo reclamado significaria reconhecer direitos nos quais se funda a ação, o que, a rigor, não constitui renúncia. Ademais, a renúncia é um instituto que se amolda mais à condição daquele que tem a receber e não à daquele que tem a pagar.

2. Evasão de encargos sociais e tributários

Pressupondo-se que o acordo está predestinado à renúncia de direitos pelo trabalhador, conforme demonstrado no item 1 retro, e que a legislação prevê a incidência de encargos sociais e tributários sobre tais direitos, com destaque para as contribuições ao sistema de seguridade social, depósitos no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e Imposto de Renda, conclui-se que a celebração do acordo implica em evasão de encargos sociais e tributários.

3. Elevação do grau de arbitrariedade dos juízes

O acordo acelera a extinção de processos e, por conseguinte, diminui os serviços do juiz, proporcionando-lhe avanços no quadro estatístico de produtividade do Tribunal, podendo esse fato ser decisivo numa promoção por merecimento.

À luz dessa perspectiva, ou simplesmente para reduzir serviços, muitos juízes, na ânsia de acordos, passam a exorbitar de suas atribuições, valendo-se, comumente, não só de argumentos que ressaltam as vantagens do acordo, mas também daqueles característicos das teses da perversidade, futilidade e ameaça.

4. Sepultamento das mazelas cometidas durante a relação de trabalho

A celebração de acordos antes da audiência de instrução impede que venham à tona as ilicitudes perpetradas contra o trabalhador no curso do contrato.

Essas ilicitudes podem se constituir de simples inobservância de direitos trabalhistas periféricos, ou até mesmo de crimes contra a organização do trabalho, que se encontram previstos nos artigos 197 a 207 do Código Penal.

A gravidade desse efeito é patente, pelo risco que existe de se sepultar práticas criminosas contra o trabalhador, impossibilitando que possam ser revolvidas, punidas e, conseqüentemente, solucionadas enquanto conduta do reclamado em face de outros trabalhadores.

5. Ocultação da necessidade de investimentos na Justiça do Trabalho

O acordo tem sido considerado uma importante alternativa do juiz para tentar solucionar o enorme volume de processos, tanto que a média anual de acordos nas Varas do Trabalho no Brasil, entre 1980 e 2003, foi de 46,2% .

Ao juiz, portanto, interessa a realização de acordos, em princípio para reduzir o volume de processos, tornando viável o funcionamento de sua unidade de trabalho, e ainda, porque lhe convém a melhoria estatística de sua produtividade, no intuito de uma promoção funcional.

Destarte, o juiz empenha-se a fundo em obter o máximo possível de acordos, às vezes até por meios questionáveis, e acaba, em razão desse esforço, por conseguir seu intento de alta produtividade.

Com isso, a mensagem falsa que passa ao Tribunal é no sentido de que seus serviços estão em dia, não sendo necessários novos investimentos naquele Fórum Trabalhista.

6. Fomento à exploração dos trabalhadores

Admitindo-se a maior propensão do trabalhador para a renúncia de direitos, conclui-se que a vocação natural do acordo é ele ser mais vantajoso para o reclamado.

A partir desse pressuposto, a tendência será o reclamado desrespeitar cada vez mais os direitos de seus trabalhadores, pelos ganhos imediatos que isso lhe proporciona, com a ressalva de que ficará sujeito a reclamações trabalhistas, porém com razoável possibilidade de obter acordos em que tais ganhos não sejam inteiramente resgatados pelos trabalhadores.

Para se ter uma idéia desses ganhos, basta imaginar uma empresa em dificuldades financeiras, necessitando de recursos, que poderão ser obtidos junto a bancos, com os juros exorbitantes que cobram, ou perante seus próprios empregados, deixando de pagar-lhes certos valores de direito, cujos juros de incidência são os legais, muito inferiores aos de mercado, e ainda assim, somente devidos se ajuizada reclamação e não houver acordo.

Em vista desse contexto, fica evidente que a perspectiva de um bom acordo pela empresa constitui poderoso incentivo à exploração de seus trabalhadores.

7. Aumento do volume de reclamações trabalhistas

Considerando, à luz do item 6 retro, que o acordo fomenta a exploração dos trabalhadores, e que este fenômeno é causa eficiente para gerar reclamações trabalhistas, conclui-se ser falsa a tão decantada virtude do acordo para agilizar os serviços da Justiça do Trabalho.

Na verdade, o efeito do acordo é até contrário à agilização dos processos, tendo em vista que um único acordo pode ser suficiente para animar o reclamado a explorar todos seus trabalhadores, numa perspectiva potencial de várias reclamações trabalhistas.

8. Servilismo do trabalhador na vigência do contrato

O acordo transmite aos trabalhadores a sensação de eficiência da Justiça do Trabalho, porque forma no inconsciente coletivo deles a imagem de que esta seria a responsável pelo rápido pagamento de seus “direitos” em juízo.

Sendo os trabalhadores pouco afeitos a questões de direito e acostumados ao manuseio de pequenas importâncias salariais, não têm noção do quanto somam os seus direitos, e ao receberem em juízo montantes algumas vezes superiores aos seus salários, embora muito inferiores ao que fazem jus, acham que “ferraram o patrão” e passam a louvar a Justiça do Trabalho.

Esse fato, que é resultante do acordo, cria a perspectiva nos trabalhadores de que seus direitos trabalhistas podem ser resgatados através de ação trabalhista, vale dizer, “pondo o patrão no pau”, e sendo assim, associado ao fato de que não possuem estabilidade, e têm medo de perder o emprego, submetem-se inteiramente às vontades do patrão durante a vigência do contrato, às vezes até a verdadeiros regimes de escravidão, na certeza de uma “vingança judicial” futura que os reembolsarão de seus direitos.

Como o acordo tende a ser mais favorável ao reclamado, o tão esperado resgate de direitos não acontece e o que sobra nisso tudo é o permanente servilismo dos trabalhadores.

9. Incremento dos lucros patronais

O espírito servil dos trabalhadores na vigência do contrato de trabalho, que é um dos efeitos do acordo, reproduz-se em seus filhos, preservando-se e, portanto, adquirindo o status de cultura da submissão do trabalhador.

Movimento idêntico ocorre com o patronato, porém em sentido contrário, dando origem à cultura da exploração patronal.

Essas culturas, em conjunto, atendem perfeitamente aos interesses do patronato, por vários motivos, entre os quais, porque facilitam seu poder diretivo e, principalmente, pelos lucros imediatos que aufere ao não respeitar os direitos dos trabalhadores, além de que, sendo submissos, os trabalhadores tendem a não se insurgirem facilmente com vistas a melhores salários.

10. Intensificação da cultura da ilegalidade

O fato de o acordo incentivar o desrespeito aos direitos trabalhistas, que são fundamentais para a sobrevivência do trabalhador e da sua família, permite deduzir que o acordo também contribui com a cultura da ilegalidade vigente em nosso País, pois quem não observa direitos vitais básicos da pessoa humana, não observará também, com muito maior razão, seus deveres com sua comunidade e Estado.

11. Favorecimento à chamada “Lei do Gerson”

O desrespeito aos direitos trabalhistas incentivado pelas vantagens do acordo tem na prática suas gradações. Há patrões que desrespeitam mais e os que desrespeitam menos.

Num ou noutro caso, o acordo é o porto seguro, pelas vantagens que proporciona, as quais, por sua vez, promovem novos desrespeitos, que dão ensejo a novos acordos, que irão proporcionar novas vantagens, e assim sucessivamente.

Esse espírito de levar vantagens giraria, aparentemente, no âmbito da empresa, no interesse do patrão e, portanto, não deveria sair daí. Mas o ser humano, além de não se dividir, influência o ambiente, contagiando os que estão à sua volta. Neste sentido, os trabalhadores terminam também por assimilar esse espírito e passam, com o patrão, a influenciar as respectivas famílias e amigos, reforçando, no conjunto da sociedade, o espírito de levar vantagens que já se encontra incrustado em nossa cultura, lamentavelmente.

12. Estímulo à cultura da mentira

Certos trabalhadores, ao serem orientados por seus advogados de que o acordo é o caminho mais próximo para o recebimento de direitos, mas que envolve renúncia, sentem-se tentados a pedir mais do que tem direito, no intuito de conseguir um acordo que lhes permita receber o que de direito; o patrão, por sua vez, pelo fato de se encontrar em situação idêntica, porém inversa, inclina-se a negar tudo, no intuito de pagar menos do que deve ou, no máximo, o que deve.

No caso dessa tentação se concretizar, com os respectivos advogados assumindo as artimanhas de seus clientes, e não havendo acordo, cada uma das partes terá que orientar suas testemunhas à mentira, e todos, à exceção do juiz, comparecerão à audiência com o propósito de mentir.

Aquele que mente a um juiz, que não respeita a toga, que sabe estar sendo cúmplice de um crime para subtrair o alheio, não terá, a partir de então, qualquer dificuldade de mentir e poderá mentir até para o padre, em confissão, sem perceber a gravidade de tão abominável ato.

13. Promoção da cultura da desconfiança

Partindo-se do pressuposto de que o acordo tem entre seus efeitos a intensificação da cultura da ilegalidade , o favorecimento à chamada “Lei do Gerson” e o estímulo à cultura da mentira , conclui-se, naturalmente, que o acordo também promove a cultura da desconfiança.

Há coerência neste raciocínio, por não ser razoável imaginar que as pessoas possam estabelecer relações de confiança num ambiente em que prepondera o ilegal, a cobiça e a mentira.

14. Maior burocracia

O acordo, sendo promotor da cultura da desconfiança , também o é da burocracia, pois que andam juntas, ou seja, onde reina a desconfiança, prolifera a burocracia, pela necessidade que surge de sujeitar os atos e as condutas das pessoas ao controle de um poder hierárquico superior.

Essa tentativa de sujeição é feita através de regulamentos rígidos, com previsões minuciosas e inflexíveis, emanados tanto do Poder Publico quanto da iniciativa privada, no âmbito de competência de cada qual, com objetivo de garantir segurança a todos aqueles que agem de boa fé.

No entanto, em que pese a abrangência desses regulamentos, a realidade tem demonstrado que o mau-caratismo sempre encontra uma maneira de burlar as normas e realizar seu intento, o que dá ensejo ao surgimento de constantes demandas para alteração desses regulamentos, na expectativa de que, sendo aperfeiçoados, conseguirão promover a segurança.

Concorrem para provar a existência dessas demandas os freqüentes pleitos de mudanças na legislação federal, estadual e municipal, assim como em estatutos de empresas e associações, entre outros.

Contudo, enquanto prevalecer a cultura da desconfiança, que tem raízes na ilegalidade, na cobiça e na mentira, nenhuma norma regulamentar, por mais perfeita que seja, será eficaz para combater os males que resultam da desconfiança, pelo simples fato de que o espírito de ilegalidade, cobiça e mentira será sempre um obstáculo à sua observância.

15. Prejuízos às políticas sociais

A evasão de encargos sociais e tributários resultantes do acordo importa, inevitavelmente, em menos recursos para a execução de políticas sociais, com prejuízos àqueles contingentes que mais dependem do Estado, entre os quais, provavelmente, o próprio trabalhador que fez o acordo.

16. Diminuição da auto-estima dos trabalhadores

O servilismo do trabalhador na vigência do contrato de trabalho , que é um dos efeitos do acordo, resulta em diminuição de sua auto-estima, perante si, sua família e à própria sociedade, porque, subserviente no trabalho, não tem condições de agregar valores que possam distingui-lo enquanto pessoa, sentindo-se, assim, mais um na massa.

17. Violência do trabalhador contra os membros de sua própria família

O acordo gera a exploração e o servilismo do trabalhador, que, vez por outra, os converte em violência contra os membros de sua própria família, reproduzindo, numa outra versão, o que sofre no trabalho, ou seja: neste, por ser mais fraco, se submete; em casa, por ser mais forte, barbariza.

18. Contribuição com a violência social

O acordo contribui indiretamente com a violência social, porque relega o trabalhador à condição de explorado e servo, deixando-o quase sem auto-estima e, às vezes, até com histórico de violência familiar, portanto, em princípio, sem os meios apropriados para que possa conduzir sua família numa cultura de paz.

O mais provável, em tais circunstâncias, é que o trabalhador ouça cotidianamente insatisfações e cobranças de seu cônjuge e filhos, tendo em vista o estado de carência em que se encontram.

Cada membro da família, em especial os filhos, à míngua de perspectivas de vida digna através do salário que o trabalhador recebe, tende a buscar alternativas próprias de realização pessoal, para que possa atender não só as necessidades vitais básicas, mas também outras que os meios de comunicação divulgam.

No entanto, ao iniciarem sua caminhada, deparam-se, já no início, com a dificuldade de acesso a um posto de trabalho, mesmo que seja para trabalhar sem registro, e quando conseguem um, é para ganhar tão pouco, quando não a mesma coisa que o pai.

De frente com esse quadro sombrio, algumas moças e rapazes terminam se desvirtuando, na expectativa de que podem atingir suas metas por outros meios, pelo que elas terminam indo para a prostituição e eles para a prática de pequenos crimes contra o patrimônio. Assim começam, depois evoluem para condutas com maior potencial de danos, na esperança de um melhor retorno e por ser o crime um meio de se sentirem mais valorizados.

Apesar dessas agruras, é muito provável que tais pessoas tenham filhos, à margem de uma família, e por conta disso, a perspectiva de vida dessas crianças será idêntica ou até pior que a de seus pais.

19. Aumento do trabalho informal

Já se demonstrou que o acordo é mais vantajoso para o reclamado, e que, por esse motivo, a tendência natural da empresa será desrespeitar cada vez mais os direitos de seus trabalhadores, pelos ganhos que isso lhe proporciona.

Analisando-se essa constatação em perspectiva, deduz-se que esse desrespeito se ampliará ao máximo, até à contratação informal, quando não até à própria escravidão, porque o nível de desrespeito não interfere na possibilidade de acordos.

Neste sentido, o espírito de levar vantagem operará para que as contratações de trabalhadores sejam informais, porquanto, à míngua de encargos, se tornam muito mais vantajosas que as formais.

A probabilidade de uma reclamação trabalhista não será maior ou menor que numa relação formal em que houve desrespeito a direitos trabalhistas, com a vantagem, para o reclamado, de que competirá ao trabalhador a prova de tudo, inclusive do próprio vínculo empregatício.

Com a piora do cenário processual para o trabalhador, aumenta sua propensão para renúncias, pelo maior risco de perder a reclamação, e, conseqüentemente, melhoram as perspectivas do reclamado em celebrar um acordo ainda mais vantajoso.

Sendo assim, conclui-se que as contratações de trabalhadores evoluirão para a informalidade, por serem em tudo mais vantajosas para a empresa que as contratações formais.

20. Organização do “Caixa 2” na empresa

As relações informais de trabalho não prescindem dos pagamentos mensais aos trabalhadores, os quais também são feitos informalmente, para que não deixem rastos. Esse cuidado é fundamental, porque a existência de rastos pode atrair a atenção dos órgãos de fiscalização, bem como motivar o ajuizamento antecipado de uma reclamação trabalhista.

O âmbito dessa informalidade não pode ficar restrito à contratação e pagamentos de salários, porquanto, como justificar a saída informal de um dinheiro bom? Assim, também a fonte desse dinheiro deve ser informal. Significa dizer: o faturamento deverá ser, pelo menos em parte, resultado de atividades informais.

Daí a necessidade de organizar um “Caixa 2”, para que se possa ter o controle das receitas e despesas objeto dessas operações paralelas com fornecedores, clientes e empregados, além das retiradas pessoais do empresário.

Assim sendo, se o acordo promove o trabalho informal, e este o “Caixa 2”, o acordo também promove o “Caixa 2’.

21. Pagamento de propina a fiscais

É evidente que o “Caixa 2” tem por finalidade primária a sonegação fiscal. E sonegação fiscal é crime, conforme define o art. 1º da Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965.

Em sendo assim, é preciso evitar a autuação fiscal, porque isso significaria ficar sem o produto do crime, que teria que ser recolhido ao fisco acrescido de correção monetária, juros e multa, sem prejuízo dos efeitos criminais.

Nesse sentido, para não sofrer as conseqüências de uma autuação e continuar sem ter que recolher encargos sociais e impostos em geral, sabe-se que muitos dos indigitados empresários do “Caixa 2” têm optado, às vezes com êxito, pelo pagamento de propina a fiscais.

Logo, se o acordo promove o “Caixa 2”, e este o pagamento de propina a fiscais, o acordo também promove o pagamento de propina a fiscais.

22. Organização do “Caixa 2” em campanhas políticas

Para que os fiscais corruptos possam continuar agindo, sem que suas condutas sejam cerceadas por medidas sérias de eventual governante, é importante para o empresário do “Caixa 2” contribuir com campanhas políticas de candidatos que se comprometam a não adotar medidas que impeçam a atuação dos indigitados fiscais, e nem qualquer outra que, direta ou indiretamente, possa inviabilizar os ganhos que obtém através de seu “Caixa 2”.

Essas contribuições tendem a sair do “Caixa 2” da empresa, por ser lá que se concentram os recursos. Fosse de outro modo, não haveria razão para a organização de um “Caixa 2”, e nem vantagens que justificasse contribuições de campanha no intuito de garantir sobrevida ao “Caixa 2”.

As contribuições oriundas de “Caixa 2” não tem como ser contabilizadas, por razões óbvias, e sendo assim, dão azo ao surgimento do “Caixa 2” de campanhas políticas, resultando disso tudo, que o político eleito em tais circunstâncias fica sem condições de administrar com lisura, caso queira, o que é pouco provável.

Com efeito, se o acordo promove o “Caixa 2” na empresa, que promove o pagamento de propina a fiscais, e se ambos contribuem para que surjam o “Caixa 2” nas campanhas políticas, conclui-se, logicamente, que o acordo também promove o “Caixa 2” em campanhas políticas.

22. Forçar a contratação informal de trabalhadores

As contratações informais têm angariado simpatizantes pelo simples fato de serem mais vantajosas que as formais.

É evidente que certos empregadores não desejam vantagens a qualquer custo, preferindo o respeito aos direitos dos trabalhadores.

Entretanto, na concorrência entre as empresas, são mais competitivas aquelas que praticam os melhores preços, sendo decisivos para este mister os custos de cada qual.

Nesse contexto, tem-se que os custos da empresa que contrata informalmente tendem a ser menores e, por conseqüência, também os seus preços, o que lhe atrairá naturalmente a simpatia da clientela, em desfavor da empresa que contrata formalmente.

A permanecer essa situação, esta última irá à falência, a menos que também comece a contratar informalmente, por uma questão de sobrevivência no mercado.

O pior de tudo, porém, é que a contratação informal de trabalhadores leva, sucessivamente, ao “Caixa 2” – com suas colateralidades –, ao pagamento de propinas a fiscais , ao comprometimento com políticos venais etc.

23. Aumento dos impostos para aqueles que estão na formalidade

As vantagens do acordo motivam o aumento da contratação informal de trabalhadores , que motiva a organização do “Caixa 2” na empresa .

É evidente que esse caráter de informalidade, tanto da contratação quanto do “Caixa 2”, não se compatibiliza com os interesses do fisco e, na realidade, somente se justifica para lograr o fisco.

E o fisco tem sido logrado. Segundo Victor Hugo Rodrigues Alves Ferreira , Delegado de Polícia Federal lotado na Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros em São Paulo, “A sonegação fiscal atingiu níveis endêmicos no Brasil. A banalização da prática sonegatória é hoje um fato que se vê nas ruas e no noticiário”.

A conseqüência disso é a diminuição da base de arrecadação do Estado, por um lado, e mais carência dos trabalhadores, por outro, tornando obrigatório, para compensar, o aumento dos impostos para aqueles que estão na formalidade, em verdadeira injustiça fiscal.

PORTANTO,

a todas as luzes, se faz urgente a superação desses males, em prol da cidadania.

Neste sentido, a título de sugestão, proponho:

• a imediata reversão dessa política fascista de valorização do acordo individual na Justiça do Trabalho, vedando-o;

• investimentos constantes e intensos na estrutura e funcionalidade da Justiça do Trabalho, para evitar sobrevida à cultura do acordo, ainda que em esferas extrajudiciais, onde os acordos, naturalmente, passariam a ter o caráter de acerto de contas, sem renúncias;

• agravamento das penalidades administrativas, a serem aplicadas pela fiscalização do trabalho, e também pelo juiz, destinando-se parte do valor da multa ao trabalhador prejudicado, para que seja estimulado a tomar iniciativas que, direta ou indiretamente, solucione o desrespeito aos seus direitos;

• potencializar os órgãos de fiscalização, atualmente falhos de estrutura e recursos em geral, para que possam ser eficientes em seu mister.

Em conseqüência, o que se espera é a primazia da justiça sobre a cultura do acordo, na certeza de que isso nos fará verdadeiramente cidadãos.

Carlos Roberto Scalassara

Advogado em Londrina

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