sexta-feira, 1 de abril de 2011

CARTA ABERTA AO DEPUTADO BOLSONARO

Autor: Daniel Pearl
Caro deputado,
É muito cômodo ficar do lado do vencedor, lamber as suas botas. Quando o senhor esbraveja que a ditadura militar foi maravilhosa, é porque é muito fácil estar protegido pelos que eram mais fortes naquele momento da história. Mas tenho que te avisar que é de uma covardia de alta patente fazer isso como se fosse um ato heroico dentro da bandeira paradoxal da democracia.
Gostaria que o senhor espumasse tudo que sempre grita à favor dos militares de direita se estivéssemos em uma ditadura de esquerda, por exemplo, e que ela fosse contra todos os princípios que diz acreditar. Será que o senhor surgiria assim impávido para defender os milicos ou estaria em conchavos com a burocracia do partido que estivesse no poder? Bom, dentro de muitas coisas que li, por isso falho aqui de dar a referência de quem escreveu, o senhor é a prova viva que a democracia é melhor que qualquer ditadura, porque se ela fosse contra os ideais que o senhor diz ter, já estaria fuzilado literalmente e nem espaço para a defesa teria direito. O deputado quer apresentar no Congresso as explicações da resposta que deu à cantora Preta Gil que perguntou o que o senhor faria se um filho seu namorasse uma negra, a resposta foi: “Preta, não vou discutir promiscuidade com quem quer que seja. Eu não corro esse risco, meus filhos foram muito bem educados e não viveram em um ambiente como, lamentavelmente, é o teu”.
Fazendo esse exercício abstrato e filosófico, vamos imaginar – o senhor consegue, deputado! – o mundo comandado por negros e homossexuais. Como branco e heterossexual, no caso uma minoria nesse mundo às avessas que nem afros nem gays desejamos pois a luta é por direitos iguais, o Jair que tem dentro do senhor teria capacidade de sair nas ruas para lutar pelos seus direitos ou ficaria recriminando os arianos militantes em uma espécie de “heterofobia” introjetada? Algo me diz que o senhor ficaria com a segunda opção. Explico: numa primeira resposta a essa polêmica, em um ato de bravura assumiu que não entendeu a pergunta e que não foi erro da edição do programa, mas agora com a reação democrática de boa parte da sociedade esclarecida do país, mudou de opinião em questão de 24 horas e, em uma entrevista para uma rádio, disse que foi manipulação dos editores do CQC os responsáveis pela sua fala um tanto surreal. Isto é, ao perceber que os fortes não estão lhe acobertando e as instituições se movem contra o senhor é mais fácil recuar como fazem os gays silenciosos da Bella Paulista.
Voltando a esse troca-troca, vamos colocar luz na afirmação que senhor diz ter confundido negro por gay. Se seu filho namorasse com um gay, ele formaria um casal, conceito que está do lado oposto à ideia de promiscuidade. Já, se ele casasse com uma negra, seus genes – dentro de teorias eugenistas – estariam se misturando, se promiscuindo com os genes de outra etnia. Faz mais sentido o objeto do ataque do discurso ser uma negra do que um gay. Como também – para os crentes dessas teses contra a miscigenação – só numa família de negros (um gene fraco segundo os eugenistas), as pessoas não são bem educadas e tem ambientes desequilibrados.
Bolsonaro responde às questões de racismo exclamando que tem muitos afrodescendentes em seu gabinete e diz: “Minha mulher é afro e meu sogro, negão”. Caro deputado, não poderia ter resposta mais infeliz e dúbia. Onde o senhor quis dizer que admite negros no seu trabalho, pode-se ler também que como o bom e velho patriarcalismo brasileiro descrito no clássico “Casa Grande & Senzala” continua vivo com negros no “seu lugar de sempre”, como empregados. E se referindo à família, na mesma obra-prima de Gilberto Freyre, temos capítulos e capítulos sobre a descrição de brancos que tomam as negras como objeto sexual, podendo até as colocar em posições de prestígio, vide Xica da Silva. Não digo que é o seu caso, mas que pode suas declarações não isenta a atitude racista que está sendo questionado.
Mas para terminar a carta, eu não poderia deixar de te dar um toque. O pai de Preta Gil que o deputado diz que é “aquele que vive dando bitoquinha em macho por aí” é muito mais homem que o senhor porque ele não tem medo de beijar homem e ainda assim ter uma conduta heterossexual, Gilberto Gil não tem medo, não é covarde e sabe bem o que deseja, por isso a tranquilidade de oferecer seu beijo a quem quer que ele queira. Costuma-se dizer que todo homofóbico é um gay enrustido, eu francamente prefiria de coração que esse exemplo não coubesse na figura de Jair Bolsonaro, porque ter o senhor como gay é pior que dormir com o inimigo.
Atenciosamente,
um viado que teve pai presente, boa educação e pago meus impostos para que o senhor receba um salário

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