Terra de Direitos
Publicado na Revista Consultor Jurídico, no dia 12 de março
Por Antônio Sérgio Escrivão Filho, Clarissa Menezes Homsi, Érika Lula de Medeiros e Fulvio Gianella Júnior
A
recente resolução aprovada pelo Conselho Nacional de Justiça, que
limita o patrocínio de entidades privadas com fins lucrativos a eventos
de juízes, tem causado as mais diversas reações na sociedade. A
relevância desse debate dialoga com a necessidade de se enxergar a
administração da Justiça enquanto política pública, uma vez que o Poder
Judiciário precisa ser visto como instituição da administração pública
brasileira. Discutir de que forma se dá a administração da Justiça
passa, portanto, pela questão do financiamento privado a eventos
voltados para magistrados/as.
A
interferência de grupos de interesse no Judiciário intensifica o abismo
entre partes que já litigam em condições desiguais —os que têm mais
poder político e econômico têm também mais condições de influência,
análise notabilizada por Mauro Cappelletti na obra clássica Acesso à
Justiça, e agora reconhecida pelo próprio CNJ em dois momentos: ao
sistematizar e publicar anualmente as informações sobre os “maiores
litigantes” do Brasil; e ao considerar expressamente no texto da
resolução que a participação de magistrados em eventos subvencionados
por empresas pode comprometer a sua imparcialidade para decidir. Nas
democracias em que a linha que separa o público do privado é mais
espessa, essa prática
causaria surpresa, senão horror.
Ainda
assim, de tempos em tempos, são veiculadas notícias que relatam
vultosas contribuições de entidades privadas a encontros de
magistrados. Evidentemente, tais patrocínios não são concedidos
desinteressadamente e se, cada vez mais empresas e maiores valores
fazem parte desse universo, é porque os resultados do investimento
valem a pena.
Admitindo
o que chegou à evidência, a resolução aprovada pelo Conselho institui
uma tendência para enfrentar os temas da transparência, autonomia e
independência judicial em uma perspectiva concreta, superando a fórmula
meramente formal e abstrata. Mas certamente o texto pode e deve
avançar, em especial sobre a polêmica concessão feita aos eventos
oficiais do Poder Judiciário, permitindo o patrocínio de até 30% do seu
orçamento. Se uma cultura democrática não se reveste de absolutismos, é
certo que a autonomia e independência não comportam, tampouco,
qualificação percentual.
E,
ainda, dois elementos presentes na resolução se fazem importantes: de
um lado, a menção expressa de que toda a documentação referente a estes
eventos estará sob o controle do CNJ e da sociedade. De outro lado, a
vedação aos magistrados de receber qualquer auxílio (no transporte ou
hospedagem) ou prêmio para participar de eventos privados patrocinados.
O
que a resolução veda, portanto, é o agraciamento realizado em eventos
privados e patrocinados, incluídas as associações da magistratura. Não
interfere, assim, na livre participação, que está na esfera de
liberdade individual do/a magistrado/a, e constitui importante garantia
para autonomia e independência judicial.
Outro
fator importante no processo de construção da resolução foi a
reivindicação de organizações que atuam no campo da Justiça e direitos
humanos para que fosse feita consulta pública sobre o tema. A consulta
pública carrega um potencial democrático de participação social na
política pública de Justiça. Sua realização deve ser considerada uma
premissa na formulação de qualquer política pública e deve contar com
atenção política e operacional para que não se torne instrumento de
protelação ou legitimação formal da tomada de decisão.
A
importância do passo dado pelo CNJ deve ser reconhecida, porém tendo em
vista a necessidade de se continuar avançando. Regulamentar de que
forma entidades privadas com fins lucrativos se relacionam com o
Judiciário, limitando sua possibilidade de patrocinar eventos para esse
público é sinal de compromisso da política pública de Justiça com a
independência e imparcialidade exigidas a esse poder. Entretanto, é
preciso avançar, tanto no conteúdo da resolução, a fim de que o
impedimento de patrocínio por empresas seja total, como também no
procedimento para fazer o debate, incluindo participação social e
transparência no processo, de forma a caminhar, portanto, no sentido da
democratização da Justiça.
Antônio Sérgio Escrivão Filho é coordenador da organização Terra de Direitos.
Clarissa
Menezes Homsi é mestre em Processo Civil pela PUC/SP e em Política
Social e Desenvolvimento pela London School of Economics, e
coordenadora jurídica da Aliança de Controle do Tabagismo.
Érika Lula de Medeiros é secretária executiva da JusDh – Articulação Justiça e Direitos Humanos.
Fulvio Gianella Júnior é coordenador executivo do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor.
O Centro de Direitos Humanos de Londrina - Paraná, foi fundado em 1998, é uma entidade sem fins lucrativos de defesa dos direitos humanos, que abrange a região metropolitana de Londrina, todas as pessoas e organismos engajados na luta contra a violação de direitos podem participar de nossas atividades para que juntos possamos pugnar com a sociedade e aos órgãos públicos para que cumpram os direitos inerentes às pessoas. cdhlondrina@yahoo.com.br
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