terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Juventude e proibição das drogas

A ideologia punitiva dos aparelhos oficiais de Estado, setores acadêmicos e mídia policial constitui grande obstáculo à produção de debates, estudos e pesquisas não criminalizadoras como meio de reverter o triste cenário brasileiro que, em decorrência da proibição do tráfico e consumo de drogas, produz milhares de jovens autores e vítimas de assassinatos.
As mudanças culturais profundas nas sociedades atuais encorajam o surgimento de novos padrões de normalidade social e exige habilidade do Estado e de suas instituições punitivas para conviver com novas realidades, ampliar os laços de tolerância, despir-se de preconceitos e abordar antigos problemas de novas maneiras. No caso das substâncias psicoativas requer-se uma visão social menos passional e um questionamento crítico do funcionamento das instituições de repressão e controle.
Primeiro, a amplitude da indústria de produção, distribuição e consumo de drogas desafia as políticas governamentais antidrogas e a ação da polícia que insistem em abordar esse grave e complexo problema vendendo à sociedade a falsa imagem de que o universo das substâncias psicoativas gira em torno da maconha, da cocaína e do crack. Segundo, é inadmissível que as instituições oficiais de repressão e controle continuem, de maneira reducionista e socialmente estigmatizante, identificando jovens usurários como vítimas indefesas e os traficantes como monstros impiedosos e mensageiros do diabo. Terceiro, é descabido exigir mais prisões ou responsabilizar moralmente a suposta “banda podre” da polícia como forma de justificar a inoperância do Estado proibicionista em relação às drogas.
Para além da existência e consumo das drogas tradicionalmente conhecidas, milhares de jovens usuários demandam o consumo de drogas sintéticas produzidas em laboratórios, fato que dificulta ainda mais as instituições proibicionistas do Estado detectá-las e coibi-las. No cotidiano de suas existências, os jovens são levados a manter relações de proximidade com as substâncias psicoativas e muitos deles evitam o consumo por razões contrárias à cultura do medo e da punição. Quando um jovem deseja ter acesso às drogas, ele sabe, apesar da proibição, onde encontrá-las com certa facilidade.
Uma atmosfera sociocultural favorável à produção de conhecimentos sem preconceitos no seio das famílias, instituições educacionais, religiosas e ambiente de trabalho tende ser mais eficaz que a suposta eficácia do Estado proibicionista para manter o jovem distante das drogas. Em termos oficiais, o estabelecimento da nova legislação penal Anti-Drogas (Lei 11.343/06, art. 28) optou pela despenalização do consumidor ocasional, com o propósito de retirar uma massa dos jovens consumidores filhos classe média da mira repressiva e policial do Estado. A mesma sorte não coube aos jovens pobres da periferia. Estes, sem ajuda financeira da família, acesso à educação de qualidade e oportunidade de trabalho decente para realizar o sonho de consumo da classe média, são atraídos pela indústria ilegal do tráfico e levados a instituir suas verdades morais e expectativas de vencer na vida a qualquer preço.
Daí, a importância do Estado, grande mídia e instituições acadêmicas abrirem espaços para debates que não se limitam a atualizar propostas que reforçam o paradigma proibicionista. Caso contrário, as instituições políticas repressivas continuarão a exigir mais impostos e recursos humanos sem, contudo, oferecerem respostas efetivas à sociedade.
As políticas proibicionistas mostram-se incapazes de evitar a expansão do tráfico de drogas, coibir a violência, frear o encarceramento em massa e impedir que a guerrilha urbana e sangrenta faça da morte juvenil o destino quase fatal dos filhos da miséria. É tempo de enfrentar, sem falsos moralismos, a possibilidade de lidar com a questão das drogas priorizando soluções que valorizam práticas socioculturais antirrepressivas e o enfoque na saúde pública.

Cezar Bueno, doutor em Sociologia, é professor da PUCPR.

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