quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Rádio Comunitária Fortaleza: um símbolo de resistência popular

texto enviado por Reinaldo Oliveira
 


 À primeira vista, a pequena construção passa despercebida. Lá dentro, uma caixa de som toca MPB. Cores vibrantes, versos poéticos e cartazes de Che Guevara dividem espaço nas paredes e descortinam um novo cenário. Desde 1997, quando foi criada a partir de uma parceria entre sindicatos, pastorais, representantes comunitários e Universidade, a Rádio Comunitária Fortaleza Adenilson Teles carrega nas suas ondas de transmissão a história de luta por uma comunicação popular e democrática. Em 14 anos, a Emissora enfrentou dificuldades, além das limitações orçamentárias. Por duas vezes, a Rádio foi fechada pela Polícia Federal – em uma delas, dois de seus idealizadores chegaram a ser presos. As marcas deixadas pela tragédia de 2008 ainda estão no quadro com a foto de Sebastião Salgado, fixado ao lado da porta de entrada – que não permite esquecer a altura de quase dois metros atingida pela água barrenta. Apesar de todos os ventos contrários, a rádio se mantém como símbolo de resistência e instrumento de transformação.
Desde que foi criada, a primeira e única rádio comunitária de Blumenau funciona na sede da Associação dos Moradores do Bairro Fortaleza, na Rua Leonor Virmond Leitão e é gerida por uma associação de difusão, composta por moradores do bairro. O jornalista Adenilson Teles foi um dos principais idealizadores da emissora. À frente da rádio desde as primeiras transmissões, ele chegou a ser preso em 2004 pela Polícia Federal, que lacrou a emissora e apreendeu equipamentos e cds. Na época, a rádio ainda não tinha a outorga de funcionamento concedida pela Anatel. Mas a importância da emissora em prol de uma comunicação popular já era reconhecida, tanto que no julgamento do caso o então bispo da Diocese de Blumenau e jornalista, Dom Angélico Sândalo Bernardino, que foi uma das testemunhas, no seu depoimento defendeu com ênfase a necessidade da Rádio Comunitária.
“Pouco antes da prisão, participamos da cobertura de um evento no bairro, o Strassenfest, conhecido como o Stammtisch (encontro de amigos) do bairro Fortaleza. Uma rádio comercial instalada ao lado da nossa ficou incomodada com nossa audiência e aprovação. Alguns dias depois a Polícia Federal bateu na Rádio. Tocaram a campainha quando eu estava na Rádio. Eu me deparei com Polícia Federal e dirigentes da Anatel. Fomos levados algemados para Itajaí, onde o próprio delegado da PF percebeu o abuso de autoridade já que não resistimos à prisão. Queriam nos intimidar, mostrar que tinham força. Foi um único dia de prisão, mas se tornou uma tortura. Até hoje quando ouço o toque da campainha fico mal.” relembra um dos diretores da Emissora que foi preso junto com Teles, Antônio Gonçalves.
Em 2007, aos 33 anos, o jornalista Adenilson Teles faleceu em um acidente de carro na BR-470, sem ver alcançado aquele que foi um dos objetivos pelos quais mais lutou: a outorga da rádio. A longa espera pela outorga durou quase dez anos e finalmente saiu em novembro de 2007, um mês depois da morte de Teles. A homenagem ao jornalista não está apenas no nome da Rádio e na parede da casa que serve como sede, onde o artista Clóvis Truppel retratou o rosto de Teles. Ele permanece vivo nas lembranças de quem teve a sua convivência.
“Nas atividades alusivas a um 1º de Maio, o Teles me convenceu a levar todo o aparato da rádio para fazer uma transmissão diretamente da Vila União. Eu achava tudo aquilo uma loucura, todo o trabalho de deslocar e montar os equipamentos para um único dia de transmissão. Depois eu entendi que isso fazia parte do processo pedagógico. As crianças e toda a comunidade se envolviam” _ lembra o presidente do Sindicato dos Bancários de Blumenau e Região, Leandro Spezia, que acompanhou Teles em sua empreitada.
“O Teles foi quem mais lutou pela Rádio. Se existe a rádio hoje é por conta dele. Temos a obrigação de lutar pela permanência da rádio para não deixar morrer o sonho dele.”- afirma Antônio Gonçalves.
Após a tragédia de 2008, artistas locais se uniram em uma espécie de mutirão para dar vida à Rádio novamente. Entre eles, Bruno Bachmann, Clóvis Truppel, Marcelo Labes, Nestor Jr… coloriram as paredes da sede da emissora com poesias e tons vibrantes. A estrutura ganhou nova roupagem, mas o conteúdo seguiu as premissas que conduzem a emissora desde o início. A programação contempla programas de rock, MPB, e essencialmente comunitários, como o conduzido por pacientes do Centro de Atenção Psicossocial (Caps).
Além do conteúdo e da missão, um dos principais elementos que diferenciam a Rádio Comunitária das emissoras comerciais do município é a abrangência geográfica. A Rádio Comunitária atua em baixa frequência (25 watts) e possui uma programação voltada para uma comunidade específica. Segue o preceito de que a comunicação é um direito assegurado pela Constituição Federal e pela Declaração Universal de Direitos Humanos. Já as ditas ‘rádios comerciais’ abrangem regiões maiores e com a preocupação comercial.
_ Sempre priorizamos a comunidade mais carente. Conseguimos atender aos pequenos comerciantes, o sapateiro, o alfaiate, o mecânico do bairro. As agremiações maiores já têm suas próprias estruturas e conseguem lançar suas propagandas em outros veículos. Ao longo desse período houve muitos oportunistas, tentando utilizar a Rádio para se auto-promover. Mas nossa política é não permitir esse tipo de conduta. Nossa prioridade é a comunidade. É isso que nos torna uma emissora diferenciada _ acredita o secretário da emissora, Antônio Simas, que acompanha a Rádio desde o início.
Sintonizada pela frequência 98,3 FM, a Rádio Comunitária Fortaleza é mantida essencialmente pelo trabalho de voluntários e por doações de sindicatos de trabalhadores de Blumenau, que contam também com um espaço na programação. São apenas dois funcionários: Anderson Engels e América Lopes. A paixão pelo rádio acompanha a jovem desde pequena, quando tinha como companhia um pequeno rádio a pilha. Depois de trabalhar em outros ramos, pensou em se dedicar ao trabalho de radialista. Começou como voluntária. Fez cursos, aperfeiçoou-se. Aos 30 anos, América comanda o programa Sons da América às terças, das 20h às 22h, com a proposta de valorizar o rock e as pessoas comuns, através de entrevistas.
“Fazer rádio para mim é primeiro realmente gostar do que se faz. É amor, amor pelo rádio, carinho pela programação. Vir aqui colocar música é muito fácil. Eu tenho preocupação com a qualidade da programação. Apesar de todas as dificuldades, eu estou aqui porque quero manter a Rádio, não quero que isso acabe.”_ revela.
Tanto amor pela Rádio faz com que América às vezes se depare com situações inusitadas, como apresentar o programa com a filha no colo ou abrir mão de tudo para estar na emissora dia 31 de dezembro. É assim também para Anderson Engels, apresentador do programa Entre Mundos, que vai ao ar todas as sextas às 20h. Dos episódios vividos na rádio, um dos mais marcantes para ele foi o trabalho durante a tragédia de 2008.
_ As portas estufaram por conta da água, nenhuma delas fechava e tivemos que dormir lá todos os dias em meio àquele tumulto. Colocamos a Rádio no ar com equipamentos emprestados já que toda a aparelhagem de som ficou debaixo d’ água e voltamos a dar notícias sobre as famílias nos abrigos _ lembra o comunicador.
É acreditando na força do meio de comunicação como instrumento de transformação que a Rádio Comunitária atua desafiando interesses políticos e pessoais. Desta forma, a Emissora representa uma alternativa de participação popular na comunicação, ao transmitir outras versões dos fatos, comunicar eventos de interesse local que não aparecem nos grandes meios, criar canais de informações que se constituem em direito fundamental para o exercício, conquista e manutenção de outros direitos.
Apesar das dificuldades diárias enfrentadas pela Emissora, o espírito de solidariedade para superar os desafios impressiona. Como concluiu Teles no trabalho intitulado: Nas Ondas Comunitárias – o movimento das rádios comunitárias em Santa Catarina, fruto da conclusão do curso em Jornalismo pela Univali, em 1999: “O movimento em defesa das rádios comunitárias luta, sobretudo, para construir uma sociedade com mais justiça social e verdadeiramente democrática.”

 “Existem apenas dois tipos de jornalismo: o que serve a uma minoria e o que serve a maioria da população. Quando falamos em servir a maioria estamos falando em cons-piração (respirar juntos) com as comunidades oprimidas, estar junto com a população nos seus mais secretos sonhos de amor. Esse é o jornalismo comunitário, aquele que conspira, que caminha junto, que se torna instrumento de transcendência, que dá visibilidade ao oprimido não como o ‘marginal’, mas como o pobre, real e capaz de superar sua condição."
Texto e fotos:
Magali Moser
Jornalista responsável - SC 02353 – JP
www.jornalistamagalimoser.wordpress.com

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