Na contramão dos direitos humanos
por cristiano última modificação 19/05/2010 13:12 Governo federal altera pontos da terceira versão do Programa Nacional de Direitos Humanos que haviam gerado reações de setores conservadores
Brasil não quer punir os repressores
As alterações no PNDH 3
Michelle Amaral
da Redação
No dia 12, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou o decreto n.º 7.177, que alterou nove pontos da terceira versão do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH3), lançada em dezembro de 2009.
As alterações no texto são uma resposta às reações de setores conservadores, que criticaram duramente o programa. Parte da Igreja Católica, ruralistas, grandes empresas de comunicação e as Forças Armadas exerceram, desde dezembro, forte pressão para que o governo recuasse em pontos considerados, por eles, anti-democráticos.
A nova versão do PNDH3 retira o apoio à descriminalização do aborto e a proibição à ostentação de símbolos religiosos em estabelecimentos públicos da União; altera a proposta de resolução de conflitos agrários, que previa a realização de audiência coletiva entre os envolvidos e o Ministério Público antes da decisão de concessão de liminar judicial; retira a regulação dos meios de comunicação em relação ao cumprimento dos direitos humanos; e exclui as expressões “repressão ditatorial” e “perseguidos políticos”, passando a tratar as questões referentes à ditadura civil-militar (1964-1985) como violações de direitos humanos. O decreto 7.177 retira, também, o artigo que proibia que logradouros recebessem nomes de pessoas que praticaram crimes de lesa-humanidade durante o período.
Críticas
Movimentos sociais e organizações de direitos humanos lamentaram a decisão do governo e qualificaram o recuo como um retrocesso na questão dos direitos humanos no Brasil. Na avaliação de Plinio Arruda Sampaio, ex-deputado constituinte e, hoje, membro do Psol, o governo federal tirou a força do programa. Ele explica que o PNDH não é um texto jurídico, mas tem peso político. Dessa forma, de acordo com Plinio, ao esvaziar o programa, o governo federal dificultou as lutas populares pela busca de seus direitos, como, por exemplo, a punição aos torturadores do período da ditadura civil-militar.
“A característica do Lula é ceder a pressões, desde que elas não sejam as do povo. Ele cede a todas as pressões que não são populares, seja do sistema externo, seja da oligarquia interna”, protesta.
Processo democrático
Alexandre Ciconello, assessor de Direitos Humanos do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), explica que o texto original do PNDH3, tal como foi apresentado em dezembro de 2009, significou um avanço, pela forma como tratava os direitos humanos. “De um primeiro modo, [o PNDH3] colocava os direitos humanos como eles realmente devem ser tratados, com radicalidade”, explica.
Segundo ele, o recuo do governo federal se deu em pontos importantes para os movimentos que participaram da construção do PNDH3. Ciconello conta que o Programa é resultado de um processo de discussão democrático, levado a cabo em mais de 50 conferências temáticas e na Conferência Nacional de Direitos Humanos, da qual participaram vários setores da sociedade civil e do governo federal.
Cecília Coimbra, presidente do Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro, afirma que os dois primeiros PNDH, elaborados durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), não refletiam as posições dos movimentos sociais. Já a terceira versão, da forma como foi concebida, sim. “Esse plano refletia alguma coisa dos movimentos sociais, porque foi feito em função das reivindicações apresentadas na Conferência Nacional de Direitos Humanos, em dezembro de 2008”, conta.
Na contramão
Para Ciconello, a versão inicial do PNDH3 tratava os direitos humanos com uma visão contemporânea, de uma forma ampla. Segundo ele, com a decisão do governo federal de retirar questões fundamentais, o Brasil vai na contramão da defesa dos direitos humanos. “O Brasil está voltando atrás na visão de direitos humanos, como direitos universais e interdependentes”, lamenta.
Além disso, o assessor do Inesc chama a atenção para o fato de o recuo do governo significar maior força aos setores conservadores. “O resultado desse recuo demonstra o poder desses setores na nossa sociedade. Por mais que você amplie a democracia, por mais que você amplie também a presença dos movimentos sociais e das organizações da sociedade civil, você tem grupos que pautam a agenda nacional e que conseguem fazer com que o governo mude um decreto pactuado democraticamente”, protesta.
Segundo ele, ao invés de se avançar na questão dos direitos humanos e no reconhecimento de novos direitos, o que tem ocorrido no Brasil é a luta contra o retrocesso em relação a esses direitos.
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